Contemplando um lindo quadro sem moldura, vi a inspiração mais pura que só Deus soube pintar.

por José Márcio Castro Alves e Maria Antonia Mogentale

Nos idos de 1980, quando ainda havia festivais de música sertaneja no interior de São Paulo, João Pacífico presidiu o juri num festival em Jacareí. Foi lá que ele conheceu casualmente o casal que faria parte dos últimos dezoito anos da sua vida: Frederico Mogentale e a esposa Maria Antonia.
--- Eu tinha muita vontade de conhecê-lo, diz a cantora e artista plástica Maria Antonia. Impossibilitada de ir ao festival, pedi que o levassem na minha casa. Ele concordou, chegou, abriu a porta e me encontrou na sala:
--- A senhora tem um prato de comida pra me arrumar?
Foi realmente uma surpresa muito agradável.
Assim nascia a amizade entre João Pacífico e o casal Maria Antonia e Freddy, ele um executivo e músico autodidata que acolheria o João Pacífico definitivamente, com direito a ter um espaço físico próprio pra criar suas canções num sítio que o casal compraria em Grararema (SP).

--- Na realidade ele estava conosco durante a compra do sítio e quando nos mudamos pra lá, diz Maria Antonia. Então, ele já pernoitou no primeiro dia como uma pessoa da própria família.
Um dia a Maria Antonia estava pintando quando o João Pacífico chegou.
--- Mantonia, você pintaria a mamãe? perguntou João Pacífico mostrando-lhe uma foto miudinha em preto e branco.
Maria Antonia, com toque de mestre, pintaria a Dona Domingas da Silva e lhe daria o quadro de presente de aniversário, selando mais uma vez a pureza de uma amizade que João Pacífico sempre frisou com muito orgulho.
No ano seguinte João Pacífico retribuiria o presente no aniversário da Maria Antonia: uma placa em forma de palheta de pintor com algumas pedras brasileiras em volta e no lugar das tintas, com os dizeres: A pedra mais bonita está no sorriso de mamãe para você.
A amizade crescia e a parceria musical frutificava. Em 13 de junho de 1987, no aniversário da Maria Antonia, João Pacífico fez uma poesia em homenagem à Pirangi, terra natal do casal. Freddy Mogentale musicou a canção que se tornaria um marco no repertório de shows de João Pacífico, aqui interpretada por Maria Antônia, com Freddy no violão e assinando o arranjo.



João Pacífico e a esposa Deolinda Rodella (Deda) moravam em São Paulo e freqüentaram muito o sítio em Guararema até o final de 1990, quando Deda viria a falecer. João Pacífico continuaria morando em São Paulo (Vila Mariana) junto ao filho Tuca, a nora e os netos. Mas a idéia de um cantinho privado e longe do burburinho da cidade grande logo se transformaria em realidade, e o local seria justamente no próprio sítio do casal Freddy e Maria Antônia.
--- O João veio de vez para Guararema porque não estava mais com clima para continuar morando com o filho e a nora, então separados maritalmente, comentou Maria Antonia. Ele não conseguia mais compor com tranquilidade. Já estava conosco há seis meses quando tivemos a idéia de transformar uma casa perto do lago numa casinha só dele, um cantinho para ele viver sossegado.
Reformamos a casa com muito carinho e fomos para Mogi das Cruzes comprar os móveis, de acordo com o gosto dele. Parecia uma casa para recém casados. Ficou muito bonitinha. E na inauguração, coitado, fizemos uma fritada de rãs, ou seja, uma bela sujeira logo no primeiro dia.
Até o final de 1998, Frederico Mogentale e a esposa Maria Antonia seriam o porto seguro do compositor João Pacífico, com o sítio em Guararema sempre repleto de reuniões de amigos, gravações musicais, discos, homenagens e muita festa.

Foi só agora em 2010, quando resolvi publicar o Blog Cantinho João Pacífico, que soube dos pormenores dos últimos dias do João Pacífico. Por e-mail, Maria Antonia deu os detalhes.
--- O Freddy desconfiou que alguma coisa não estava bem no comportamento dele, principalmente quando ia ao banheiro. Após uns exames veio a confirmação de um câncer de próstata. Fez o tratamento durante um ano e meio e melhorou. Mas logo veio a metástase. Quando atingiu o fígado ele teve muito pouco tempo de vida.
Estávamos em Pirangi para passar o final do ano de 1998. No dia 27 de Dezembro ele foi para Barretos em uma homenagem que fizeram para ele no recinto da festa do Peão. No dia seguinte ele voltou para Pirangi e logo no dia 29 voltamos para Guararema. João Pacífico foi de ambulância. Na madrugada do dia 30 de dezembro de 1998 ele nos deixou.

João Pacífico está sepultado em Guararema a nosso pedido, relatou Maria Antonia. O Tuca (filho) nos atendeu, embora tivesse a opção de sepultá-lo em São Paulo ou atender aos pedidos de autoridades de Cordeirópolis para que ele fosse sepultado lá, sua terra natal.
Guararema foi onde ele passou seus últimos anos, diz Maria Antonia, e com certeza, muito feliz. Ele gostava da cidade e muitas pessoas o conheciam, o que não acontecia com São Paulo ou Cordeirópolis. A Prefeitura de Guararema, desde então, no dia 5 de agosto - dia nacional da música caipira e também o dia do aniversário do João Pacífico, faz uma homenagem a ele junto ao túmulo com populares cantando suas músicas. Também na praça de Guararema as escolas exibem trabalhos feitos pelos alunos sobre as obras dele.
João Pacífico nos deu muito mais do que suas poesias e músicas. Nos deu a honra de passarmos horas e horas a seu lado, curtindo o que de melhor existia nele: a sua humildade, sua alegria, seu bom humor diário e sua amizade.
Obrigada, João.
Maria Antonia Mogentale.


O cantor Sergio Reis cumprimentou publicamente Frederico Mogentale e a esposa Maria Antonia, num programa da TV Cultura que homenageou o compositor, apresentado por Inezita Barroso em 1999. Freddy e Maria Antonia cantaram Um tal João, música de José Márcio Castro Alves.



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